Thaís Carvalho dos Santos Pires (Portugal).
No estado do Alabama foi aprovado um diploma que proíbe o aborto em quase todas situações – abrangendo os casos de incesto e violação, o que torna essencial tal discussão em termos jurídicos, mais especificamente sob a perspectiva Constitucional e reflexos no cenário internacional. Vale dizer que fica fora da proibição os casos em que haja risco para a gestante – dada a aprovação da governadora Kay Ivey.
Antes de uma análise sobre o tema, importa chamar atenção para o caso Roe X Wade – Texas, 1969 – em que uma jovem de 22 anos engravidou do terceiro filho, e por se encontrar solteira e desempregada procurou a realização de um aborto. Com assessoria de advogadas, o pedido foi levado diante do Tribunal Estadual do Texas, que até o momento, apenas permitia o aborto em situações de risco para a mulher; porém, na luta pelos direitos da mulher, a advogada Mc Corvey recorrera da decisão à instância superior.
A filha da jovem nascera e fora adotada, e anos mais tarde, em 1973, a Suprema Corte americana, fundamentara sua decisão alegando que o direito constitucional à liberdade permitira à mulher decidir sobre a continuidade ou não de sua gravidez. O caso entrou para a história e serviu como ponto de partida para a modificação das leis federais e estaduais que restringiam o aborto.
Cabe referência também à resolução 23/81 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que foi extraída do caso 2141 contra os Estados Unidos, em que foi analisada uma decisão proferida pela Corte Suprema do Estado de Massachusetts que autorizou o aborto a pedido dos pais, no caso mais conhecido como Baby Boy.
As menções feitas acima nos revelam que as providências para a salvaguarda dos direitos à liberdade, privacidade e pelo princípio da igualdade, estavam a ser tomadas, mesmo diante de batalhas judiciais, as decisões progrediam no sentido da relevância da dignidade humana assegurada constitucionalmente. Ponto esse que nos leva de volta ao caso inicial ocorrido no Alabama, que, em 2019, nos remete a um regresso que parece desconsiderar todos os avanços conquistado no passado.
Essa questão nos leva a um ponto além da atual e constante discussão sobre a proibição ou não do aborto. Esse diploma é de tal maneira restritivo que impõe a continuidade da gravidez nos casos mais extremos de violação, até mesmo em menores.
A pena perante a responsabilidade criminal para essa prática recai sobre o médico – até 99 anos de prisão. Assim visto, em caso de violação de uma menor que more no estado do Alabama que resulte em uma gravidez: como ficam os seus direitos à liberdade, ao desenvolvimento da personalidade e sua devida proteção advindos da dignidade humana? Apartado isso, o aborto nos Estados Unidos é um direito constitucional, o que nos dá azo para questionar a constitucionalidade desse diploma.
Essa é uma luta mais complexa do que a que se trava entre republicanos e democratas, trata-se de uma limitação a um direito garantido pela Constituição norte-americana. Uma vez aprovada, abrir-se-á um caminho para novas restrições, o que já está a acontecer no estado de Ohio, que culminará num esvaziamento axiológico das garantias previstas constitucionalmente, o que desencadeará uma perda generalizada da confiança e uma desilusão sobre o que é o direito e como ele deve ser geral e abstrato mas sempre consubstanciando seus fundamentos no respeito que é a todos devido pela simples qualidade humana.
O resultado dessa lei se traduzirá num incremento da desigualdade social, pois, as mulheres pobres, menores, violentadas terão que dar prosseguimento a uma gravidez indesejada, causando uma perpetuação da linha da pobreza com sérias consequências no âmbito de desenvolvimento social; enquanto as que possuem condições financeiras sairiam do país para interrompê-la legalmente.
Fica, portanto, uma crítica e uma proposta de ponderação de valores: de que adianta estar entre as principais potências mundiais, alcançar constantemente o progresso econômico e tecnológico se a preocupação com os componentes da sociedade - a verdadeira base do país – deixa de ser posta em prática tendo em vista o mero jogo político de garantia de maioria partidária em um tribunal? O que se esperar de um Estado que esvazia os direitos humanos devido a interesses políticos?
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